Na contramão do discurso de austeridade
que prevaleceu no Congresso Nacional ao longo do primeiro semestre,
principalmente durante a votação da reforma da Previdência, os deputados não
priorizaram a economia de gastos em se tratando de viagens para fora do Brasil.
Entre janeiro e julho, a Câmara desembolsou R$ 2,6 milhões com passagens aéreas
internacionais, diárias e adicionais de embarque (para cobrir despesas com
deslocamento até o aeroporto e hotéis). Nesse período, 134 deputados viajaram
para mais de 40 cidades em todos os continentes. Os destinos mais visitados são
lugares muito procurados por turistas brasileiros, como Nova York e Lisboa, mas
deputados também estiveram em lugares pouco conhecidos, como Baku (capital do
Azerbaidjão) e Hanói (no Vietnã). Na lista entram destinos famosos no turismo
de lazer, como Las Vegas e Punta Cana. (Confira os destinos e valores gastos
por cada parlamentar nos detalhamentos ao fim da matéria)
De acordo com os dados obtidos
pelo Estado de Minas por meio da Lei de Acesso à Informação, no primeiro semestre
deste ano a Câmara dos Deputados desembolsou R$ 1.197.388,09 com compra de
passagens aéreas, R$ 1.326.308 com diárias e mais R$ 151.948,86 com adicional
de embarque. O total gasto até agora no ano (R$ 2.675.644,95) com as viagens
internacionais representa mais de 70% do que foi gasto com viagens
internacionais entre janeiro e dezembro de 2018. No ano passado a Câmara
desembolsou R$ 3,6 milhões com viagens internacionais de parlamentares.
O deputado que mais viajou no
período foi Cleber Verde (PRB-MA), que participou de quatro missões oficiais
entre abril e junho (Las Vegas, Punta Cana, Nova York e Kourou – na Guiana
Francesa), com gasto total de R$ 44 mil com passagens, diárias e adicionais de
embarque. Em seu quarto mandato na Câmara, o escritor, vendedor, professor e
advogado é titular na Comissão de Ciência e Tecnologia, mas jamais participou
de comissões que tratam de relações exteriores ou de turismo.
Entre 6 e 11 de abril, Cleber
Verde viajou para Las Vegas, nos Estados Unidos, para participar da National
Association os Broadcasters (Nabshow 2019), evento do setor de multimídia e
entretenimento. Segundo justificativa apresentada pelo deputado à Presidência
da Câmara, a viagem foi a convite da Abratel (Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão). “Durante o evento acompanhei as principais
discussões sobre o setor, não só durante as conferências do Nabshow, mas também
em eventos organizados por entidades brasileiras, em que as principais
tendências e inovações tecnológicas do mercado de broadcast foram debatidas”,
diz o parlamentar.
Além de Cleber Verde, outros dois
parlamentares participaram do evento em Las Vegas: Júlio César Ribeiro (PRB-DF)
e David Soares (DEM-SP). Curiosamente, apesar de os três participarem do mesmo
evento durante os mesmos dias e gastarem o mesmo valor com diárias (R$
8.495,80), houve uma grande diferença entre os preços das passagens aéreas dos
deputados. Enquanto o custo dos bilhetes de Cleber Verde foi de R$ 5.177,74, o
deputado Júlio Cesar gastou R$ 7.013,71 com as passagens, e David Soares gastou
bem mais: R$ 23.652,49. Procurado pela reportagem, Soares não quis se
manifestar sobre os custos de sua viagem a Las Vegas.
Muitos relatórios com as
justificativas de viagens apresentados pelos deputados trazem pequenos
parágrafos explicando o motivo da viagem, duas ou três frases detalhando a
agenda do dia e, em alguns casos, foram copiados trechos de releases oficiais
dos eventos. A maioria dos deputados inclui fotos dos locais visitados.
Viagens de despedida
Na lista dos parlamentares que
viajaram para fora do Brasil em 2019 estão quatro deputados que não foram
reeleitos em outubro do ano passado. Como os novos deputados assumem suas
cadeiras em fevereiro, os representantes da última legislatura mantêm as prerrogativas
parlamentares até o final de janeiro, entre elas as viagens oficiais bancadas
pela Câmara.
Derrotado nas urnas em 2018,
Antônio Goulart (PSD-SP) fez duas viagens internacionais em seu mês de
despedida da Câmara dos Deputados. Entre 8 e 19 de janeiro, ele participou de
visita à China para conhecer parques tecnológicos e logo que voltou para o
Brasil viajou novamente, entre os dias 22 e 25, para visitas institucionais em
Lima, Magdalena del Mar, La Victória e ao distrito de Paracas, todas cidades no
Peru. Nas duas viagens que fez em janeiro o ex-deputado gastou R$ 23.773,10 com
passagens, diárias e adicional de embarque. As justificativas para as duas
viagens não estão disponíveis no site da Câmara. Procurado pela reportagem, o
ex-deputado não retornou as ligações. Segundo sua assessoria de imprensa, ele
estava ocupado em reuniões.
Outro deputado federal que não se
reelegeu, Odorico Monteiro (PSB-CE) participou entre os dias 17 e 20 de janeiro
de visita técnica às instalações de serviços públicos de ozonioterapia em
Lisboa, Portugal. A técnica terapêutica de aplicação de gases oxigênio e ozônio
para tratamentos de doenças ainda não é reconhecida no Brasil, mas um projeto
de lei prevê a regulamentação do procedimento.
Viagens canceladas
As viagens oficiais de
parlamentares são regulamentadas pelo Ato da Mesa 31/2012. Todos os pedidos de
viagem para o exterior são autorizados pelo presidente da Câmara dos Deputados.
Na lista das viagens feitas neste semestre não estão incluídas aquelas que não
tiveram custos aos cofres públicos. O presidente da Casa, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), por exemplo, participou de duas missões internacionais em 2019
(Estados Unidos e Israel) mas, segundo a assessoria de imprensa da Presidência,
ele não gastou com diárias e viajou nos aviões da Força Aérea Brasileira (FAB),
sem usar passagens aéreas.
No final de junho, na tentativa
de garantir quórum mínimo para a votação da reforma da Previdência, Maia
afirmou aos deputados que iria barrar todos os pedidos de viagens nacionais e internacionais
de parlamentares após o feriado de Corpus Christi, a partir de 20 junho. “O
quórum da Casa tem que estar perto de 500 deputados. Já estou cancelando
viagens dos deputados. Todos os pedidos estão sendo negados para que a gente
possa, a partir de 20 de junho, voltar a ter o quórum de 500, 505 deputados”,
afirmou o presidente. A avaliação de Maia se mostrou acertada: na semana
passada, 510 deputados estiveram no Plenário durante a votação da Previdência.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO


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