Pesquisa desenvolvida pela
Universidade de São Paulo (USP) e Instituto Emílio Ribas identificou quatro
fatores que indicam risco de morte em pacientes com febre amarela.
Idade avançada, contagem de
neutrófilos elevados (células sanguíneas que fazem parte do sistema imune
inato), aumento da enzima hepática AST e maior carga viral são os marcadores
que apontam o risco de uma evolução grave da doença. O estudo destaca que, de
cada 100 pessoas que são picadas por mosquitos infectados com o vírus da febre
amarela, 10% desenvolverão sintomas da doença, e 30% podem morrer.
“O que mais nos deixava perplexos
é que a maioria dos pacientes chegava bem, apenas se queixando de mal-estar,
dor pelo corpo e febre, e, dias depois, alguns deles morriam. É uma doença de
evolução muito rápida. Era um desafio determinar, na entrada do paciente, qual
seria aquele que evoluiria muito mal da doença e qual seria aquele que teria
uma evolução mais favorável. Foi isso que a gente abordou nesse trabalho”,
explicou Esper Georges Kallás, professor do Departamento de Moléstias Infecciosas
e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP.
Outros 19 pesquisadores, apoiados
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), assinam o
estudo, publicado na revista científica Lancet.
Kallás aponta que amostras para
análises foram coletadas em pacientes durante o surto de febre amarela em São
Paulo no ano passado.
De acordo com a Secretaria
Estadual de Saúde, em 2019, até 3 de junho, foram registrados 66 casos
autóctones de febre amarela silvestre no estado e 12 deles evoluíram para
morte.
Em 2018, foram confirmados 504
casos autóctones em várias regiões do estado, dos quais 176 resultaram em
morte. Também houve 261 epizootias (morte ou adoecimento de primatas não
humanos).
Entre 11 de janeiro e 10 de maio
de 2018, 118 pacientes com suspeita de febre amarela foram internados no
Hospital das Clínicas e outros 113 no Emílio Ribas.
Diagnóstico
Após a confirmação do
diagnóstico, o estudo se concentrou em 76 pacientes (68 homens e 8 mulheres).
Dos 76 pacientes, 27 (36%) morreram durante o período de 60 dias após a
internação hospitalar.
Onze pacientes com contagem de
neutrófilos igual ou superior a 4.000 células/ml e carga viral igual ou
superior a 5.1 log10 cópias/ml (ou seja, aproximadamente 125 mil cópias do
vírus por mililitro de sangue) morreram, em comparação com três mortes entre os
27 pacientes com contagens de neutrófilos menor que 4.000 células/ml e cargas
virais de menos de 5.1 log10 cópias/ml (menos de 125 mil cópias/ml).
Os pesquisadores puderam
constatar também que a coloração amarelada na pele dos doentes, característica
conhecida da doença, não é um marcador de severidade no momento da entrada do
paciente no hospital.
“A coloração amarelada,
consequência da destruição das células do fígado pelo vírus, só aparece em casos
em piora avançada. Em nosso estudo, nenhum dos pacientes que veio a óbito
chegou no hospital ostentando coloração amarelada”, disse Kallás.
Para identificar três dos
marcadores, excluindo a idade, são necessários exames em laboratório. De acordo
com o professor, o que mede a quantidade de neutrófilos e o aumento da enzina
hepática são exames simples com resultado em, no máximo, uma hora.
“O mais difícil é a carga viral
do vírus da febre amarela que é um ensaio experimental. Ele foi desenvolvido
para esse estudo, e não é popularizado. Não está disponível em laboratórios de
análise clínicas habitualmente”, explicou. Ele avalia que a disponibilidade do
exame auxiliaria não só na identificação do marcador, mas no próprio
diagnóstico.
Em casos de novos surtos de febre
amarela, os resultados encontrados no estudo permitem agora que os médicos
façam uma triagem de pacientes nos momentos de entrada nos serviços de saúde,
identificando aqueles que potencialmente podem evoluir para casos mais severos.
Assim, é possível antecipar internações nas unidades de terapia intensiva,
aumentando as chances de sobrevivência.
Massa crítica
“Estamos criando uma massa
crítica de informações que vai ajudar o médico na hora que avaliar o paciente,
inicialmente quem vai melhor, quem vai pior e otimizar a disponibilização de
recursos no hospital. Evidente que auxilia a melhorar a assistência a saúde
dessas pessoas”, disse o pesquisador.
Outra consequência da descoberta
é a hipótese de que remédios antivirais podem auxiliar no tratamento da febre
amarela.
“Pela primeira vez é descrita a
associação da quantidade de vírus [carga viral] com doença pior”, disse Kallás.
Segundo o pesquisador, outros
projetos já avaliam medicações que poderiam ser usadas neste caso.
“Se chega um paciente com febre
amarela bem no começo, será que se a gente der um remédio antiviral não corta a
multiplicação do vírus e melhora o prognóstico dessa pessoa? Já que a
quantidade de vírus é um fator, isso tem o potencial de mudar a história de
sobrevivência na febre amarela se a gente achar um remédio que for eficaz”,
finalizou.
AGÊNCIA BRASIL
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