Não há dor mais insuportável do
que aquela que fere um filho. Enquanto ouvia os gritos do Alan, internado
durante 13 dias e precisando de sedação para aguentar os curativos das
queimaduras nas pernas, Marlene dos Santos não sentia fome, sono ou cansaço.
“Só queria estar no lugar dele”, diz ela, referindo-se à maior tragédia que a
família já enfrentou e que deixou cicatrizes profundas no corpo do filho, à
época com 9 anos. “Era a munha.”
Em Açailândia, pólo siderúrgico
brasileiro no Maranhão, “munha” é o apelido que os moradores deram para uma
escória inflamável, resultado da produção de ferro gusa, depositadas a céu
aberto – em um local sem cercas ou muros –, atrás da casa de moradores. São
montanhas negras de “munha” a perder de vista, algumas com mais de dois metros
de altura.
A responsável por essas montanhas
de munhas que ameaçam os moradores é empresa Gusa Nordeste S.A, braço do Grupo
Ferroeste. A liga, feita a partir de minério de ferro, é essencial para a
produção de aço, como o usado na fabricação de bicicletas.
Sob sol, a “munha” alcança
temperaturas capazes de provocar queimaduras de terceiro grau. Sob chuva e
vento, esse pó fino inflamável é levado para regiões distantes. Ao decantar sob
a terra, fica camuflado, imperceptível a olho nu, à espera da próxima
vítima.
Alan sofreu queimaduras severas
em uma área de plantio de eucalipto da Gusa, a quilômetros das montanhas de
“munha”. Ele ia a cavalo com um vizinho pela estrada, aberta há décadas pela
comunidade, quando o animal esperneou. Alan caiu e viu a lama comer-lhe os pés
– de um deles viam-se os ossos. “Se tivesse caído sentado, os órgãos teriam
cozinhado e o menino teria morrido”, diz o vizinho que o salvou, José Carlos
Monteiro Neves. A Secretaria Municipal de Saúde e a Gusa visitaram o local dias
depois. Os focos de incêndio permaneciam.
Alan não foi a primeira nem a
última vítima da escória incandescente da Gusa Nordeste. A primeira condenação
judicial da empresa é de 1999. À época, outra criança, de sete anos, afundou na
“munha” e não sobreviveu. Na sentença, publicada em 2002, o juiz José Edilson
Ribeiro afirma não haver dúvidas de que
a empresa “assumiu o risco, mesmo que eventual, de provocar um
acidente.”
REPÓRTER BRASIL
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